A investigação arqueológica realizada ao longo de vinte anos no núcleo antigo da vila de Palmela tem contribuído substancialmente para o aumento do conhecimento que atualmente possuímos sobre a origem do Centro Histórico. A sua história é paralela à história da génese e expansão do Castelo de Palmela, desde o momento da sua edificação e utilização, ao longo de quatrocentos anos pelos muçulmanos (sécs. VIII – XII), passando por momentos de maior consolidação do território sob domínio cristão (sécs. XIII – XV) e de grande dinâmica económica, social, cultural e religiosa potenciada pela permanência da Ordem de Santiago na vila até à primeira metade do séc. XVIII, momento em que se extinguem as Ordens Religiosas (1834).
O cruzamento dos dados arqueológicos com as fontes históricas, permitem-nos hoje apontar que o primitivo povoamento muçulmano se tenha desenvolvido, na área imediatamente a norte do castelo, fora do perímetro amuralhado e ao longo da encosta, prolongando-se para noroeste até ao Arrabalde.
A atual sinuosidade da urbe que ganha forma ao longo da encosta norte do castelo é seguramente herdeira deste passado Medieval de Balmalla (nome árabe de Palmela).
O povoamento cristão expande-se mais para norte e noroeste, ocupando a partir do séc. XIII, áreas antes destinadas aos mouros forros. A construção da Igreja de S. Pedro, nos finais do século. XIII - início do século XIV desloca o pulsar da vida urbana para o Largo do Município e Largo do Pelourinho. Com os alvores da modernidade a vila vai perdendo a sua paisagem marcadamente rural, dando lugar a novas zonas de habitabilidade e vida urbana, centradas em espaços como a Terra do Pão e da Nova Palmela.
Implantação do Castelo de Palmela e perspectiva aérea do núcleo urbano histórico (Fotografia de Carlos Sargedas/Falcão Azul, in Rosendo et al., 2010).
O Castelo de Palmela - Monumento Nacional, classificado em 1910
O recinto fortificado é construído de raiz em período Omíada (Sécs. VIII-IX), sendo inúmeros os vestígios (estruturas e objetos) deixados pela vivências dos seus governantes e pelas comunidades que o utilizaram, desde os espaços habitacionais, funcionais e de guarnição (os silos e fossas, canalizações, as cisternas), aos espólios, sobretudo o cerâmico, com grande variedade de recipientes de utilização quotidiana (panelas, taças, pratos, púcaros, cântaros, bilhas, canecas, entre tantos outros), os metais e os restos alimentares acumulados ao longo de vários séculos de permanência neste espaço.
As atividades de natureza bélica estão igualmente bem documentadas, com a presença, por exemplo, de pontas de seta, de virote e de lança que podem ter sido produzidas no interior da fortificação, na área de forja para manufatura do ferro identificada no setor mais oriental do castelo, datada dos sécs. XI-XII.
A permanência da Ordem de Santiago no Castelo de Palmela é atestada desde 1186, momento em que por doação régia, o assumem como sede da Ordem. Deste período identificaram os arqueólogos um cemitério destinado aos cavaleiros da ordem, num ponto central da alcáçova. A transferência definitiva da sede da Ordem de Santiago para Palmela acontecerá somente no séc. XV, com a construção do novo convento (atual Pousada histórica) e da Igreja de Santiago.
O Centro Histórico e o património Arqueológico
Os Centros Históricos são sítios arqueológicos de maior relevância. Garantir o seu conhecimento é garantir a preservação de Memórias.
As ações de Arqueologia Urbana desenvolvidas no Centro Histórico de Palmela pretendem essencialmente potenciar o registo e salvaguarda dos vestígios patrimoniais que testemunhem a ocupação humana, desde o passado até à atualidade, na vila.
A transmissão do legado cultural para as gerações futuras é fundamental para a construção da memória comum e da identidade coletiva.
Os resultados das intervenções arqueológicas (acompanhamento de obras e escavações arqueológicas) e os dados obtidos através do estudo de materiais e dos contextos arqueológicos são muito significativos.
A investigação já realizada ajuda-nos a melhor compreender os modelos de ocupação humana no cerro de Palmela, desde a Pré-História Antiga, com o povoado da Quinta da Cerca, contextualmente integrável em meados do 6º milénio e meados do 5º milénio a.n.e. e, em particular, com a ocupação dos períodos Medieval Islâmico, Medieval Cristão e Moderno.
No Centro Histórico destacamos sítios como a Rua de Nenhures e o Mercado Velho – Espaço Cidadão pela sua importância e pela riqueza da sua documentação arqueológica, fontes privilegiadas de informação sobre a dinâmica económico-social da urbe.
Rua de Nenhures
Na área escavada (1988, 2003 e 2009) individualizaram-se diferentes contextos habitacionais, com distintos momentos de construção, utilização e abandono, balizados entre o séc. XIII e o séc. XVIII. Para poente, na Plataforma 1, registou-se uma bateria de 30 silos – estruturas de armazenagem com variado espólio (cerâmicas, metais e moedas) datável do final da ocupação islâmica e da reconquista. Algumas destas estruturas negativas foram sendo sucessivamente reutilizadas até à Época Moderna, já com funções distintas (lixeira). Destaca-se também um forno de cerâmica tardo-medieval / moderno, identificado na primeira intervenção realizada neste sítio arqueológico.
A Rua de Nenhures é hoje reconhecida como o legado cultural mais importante do período muçulmano e da reconquista, escavado fora muralhas, em plena área urbana.
Mercado Velho
Local periférico ao núcleo do arrabalde funcionou como zona de lixeira comunitária, tornando-se arqueologicamente expressivo pela variedade de cerâmicas e elementos metálicos recolhidos, enquadráveis entre os séculos XIII e XV a par de outros vestígios de cronologias mais antigas, como os períodos Romano e Visigótico. Os contributos desta intervenção são notáveis para o conhecimento da evolução e do quotidiano tardo-medieval da área urbana, sobretudo num dos momentos relevantes da história de Palmela (séc. XV), momento em que a sede da Ordem de Santiago se instala no castelo de Palmela.